DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA/OMISSÃO DE PRONÚNCIA/CRIME DE BURLA/BURLA QUALIFICADA/BRANQUEAMENTO /ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA

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DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA/OMISSÃO DE PRONÚNCIA/CRIME DE BURLA/BURLA QUALIFICADA/BRANQUEAMENTO /ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA

9 de Novembro, 2022 Natividade Almeida Comments Off

Processo:
5735/19.1JFLSB.L1-3

Relator:
ANA PAULA GRANDVAUX

Data do Acórdão:
09-11-2022

Descritores:
DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA CRIME DE BURLA
BURLA QUALIFICADA
BRANQUEAMENTO ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA

Meio Processual:
RECURSO PENAL

Decisão:
NEGADO PROVIMENTO

Sumário:

– Nos termos do preceituado no artigo 283.º  n.º 3, alínea b), por remissão do artigo 308º, n.º 2, ambos do CPP, a decisão instrutória deve conter “a narração , ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”.

– Neste sentido, a decisão instrutória deve conter a narração dos factos que fundamentam a respetiva decisão, ou seja, de acordo com uma corrente jurisprudêncial à qual aderimos, é  fundamental que a decisão instrutória de não pronúncia, tal como a de pronúncia, descrevam os factos que em concreto foram determinantes do juízo de levar ou não alguém a julgamento, para que desse modo o conjunto de factos que se consideraram indiciados e os não indiciados, possam garantir os direitos de defesa do arguido, mormente para que o tribunal de recurso possa avaliar se efectivamente existem ou não os necessários pressupostos para submeter o agente a julgamento.

– Se o JIC  na sua decisão de não pronúncia, de entre todos os factos enumerados no RAI, indica de forma fundamentada, quais os “Factos indiciados” e “Factos não indiciados”, que entende estarem verificados, considera-se estar respeitada a referida exigência legal, com essa indicação expressa dos factos que assim foram considerados pelo JIC.
– Não é o JIC obrigado a fazer referência expressa na sua decisão instrutória a tudo aquilo que é alegado e consta do RAI, desde que justifique a sua decisão, referindo nomeadamente a necessidade de expurgar do RAI tudo o que considera constituir conclusões, elementos de prova, factos inócuos e aspetos jurídicos.

– O “ardil” a que alude o tipo de crime de burla , tem de se traduzir num engano mais elaborado e astuciosamente provocado pelo agente, que não se pode confundir com o incumprimento contratual ou violação de regras de boa fé contratual e de deontologia profissional, que devem presidir à celebração e vigência dos negócios jurídicos entre as partes, sendo necessário no caso em apreço, que se comprove a verificação de uma situação de uso de erro ou engano sobre factos, astuciosamente provocados, com vista a determinar a firma ofendida e assistente, à prática de actos que lhe causem prejuízo patrimonial. 

– Assim concretizando, não basta para o preenchimento do tipo objetivo do crime de burla que determinado agente  produza uma mera declaração desconforme com a realidade, é imperioso que o agente actue de forma engenhosa, que crie um estratagema ardiloso, que dirija ao ofendido uma encenação apta a ludibriá-lo, de modo a que este último pratique um acto de disposição patrimonial que o prejudique, o que nunca faria noutras circunstâncias, isto é caso não tivesse sido induzido a tal pela conduta ardilosa do agente.

– Decidiu bem o Juiz de Instrução, quando  constando embora ter havido violação do código de boa conduta em vigor numa determinada sociedade, por parte de um trabalhador dessa mesma sociedade, não pronunciou esse trabalhador e outros familiares do mesmo que com ele actuaram, pelo crime de burla p.p no art.º 218º/1 do C.P, por considerar não existirem indícios de astúcia ou ardil, nomeadamente de uma situação de falsa representação da realidade concreta a funcionar como um vício influenciador da decisão da assistente ofendida e recorrente, mas antes e somente uma situação de violação de deveres laborais e actuação em conflito de interesses por parte dos arguidos (recorridos no caso em apreço), eventualmente cumulada com culpa na formação e incumprimento dos contratos e boa fé contratual, actuação essa a ser apreciada no âmbito do contencioso cível entre  as partes, por assumir natureza cível.

– Integra elemento do tipo de crime de branqueamento a efetiva verificação dos factos típicos ilícitos característicos do crime precedente, in casu, de burla qualificada ou de associação criminosa, pelo que, não se dando por indiciada a factualidade que visa dar suporte fáctico à prática do crime de burla qualificada e associação criminosa, não está preenchido o tipo do crime de branqueamento.

A prova, mesmo a indiciária, como é o caso daquela que é recolhida nas fases de inquérito e de instrução, é apreciada de harmonia com as regras de experiência e a livre convicção do tribunal, tendo como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência e a livre convicção da entidade competente (Art.º 127.º do CPPenal).

Assim, os indícios qualificam-se de suficientes quando justificam a realização de um julgamento; tal ocorre quando a possibilidade de condenação, em função dos indícios, for razoável.

( sumário elaborado pela relatora)