INSOLVÊNCIA/VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS/RESPONSABILIDADE DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO/DEVER DE INFORMAÇÃO/ÓNUS DA PROVA/ILICITUDE/NEXO DE CAUSALIDADE
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INSOLVÊNCIA/VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS/RESPONSABILIDADE DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO/DEVER DE INFORMAÇÃO/ÓNUS DA PROVA/ILICITUDE/NEXO DE CAUSALIDADE
Processo:
25924/15.7T8LSB-A.L1-1
Relator:
FÁTIMA REIS SILVA
Descritores:
INSOLVÊNCIA
VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
RESPONSABILIDADE DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ILICITUDE
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acórdão:
12-07-2022
Votação:
UNANIMIDADE
Meio Processual:
APELAÇÃO
Decisão:
IMPROCEDENTE
Sumário:
1 – A regra do nº 2 do art. 14º do CIRE, tal como a do nº9 do art. 638º do CPC, não significa que aproveite a todos os recorrentes o último prazo a terminar. Para isso teria que ter sido prevista uma regra similar à do nº 2 do art. 569º do CPC, e não foi essa a opção do legislador.
2 – Quando a parte constituiu mandatário, a notificação a partir da qual se deve contar o prazo perentório de interposição de recurso é a que foi efetuada ao mandatário judicial, nos termos do nº1 do art. 247º nº1 do CPC.
3 – As máximas de experiência não são, por si, um meio de prova mas desempenham uma função probatória, intervindo na construção de presunções judiciais – funcionando como a premissa maior do silogismo que se produz ao adotar o facto indiciário como premissa menor; servindo para completar o resultado de outra prova, confirmando-o ou infirmando-o; atuando como elemento auxiliar de análise das provas, na respetiva valoração; servindo de referência ou critério; e podendo mesmo intervir como critério de admissibilidade de prova.
4 – É admissível a prova de factos negativos, devendo os factos negativos definidos ser provados por via presuntiva com base na demonstração de factos secundários ou instrumentais dos quais se possa inferir como provável o facto negativo, e os factos negativos indefinidos mediante a prova facto específico positivo contrário.
5 – São objeto da prova os factos e não as fontes ou os meios de prova; a mera enunciação do teor de um documento, por si, não deve constar de um elenco de factos provados dado que o documento, por regra, não é objeto de prova. A fixação da factualidade assente passa pelo crivo valorativo do juiz e não se confunde com a mera enunciação acrítica do teor integral dos documentos que são juntos ao processo.
6 – Quando o conteúdo do documento é uma declaração de ciência o tema da prova não incidirá sobre a própria declaração, mas antes sobre o objeto da declaração, constituindo o documento uma fonte indireta de prova dos factos que são objeto de declaração.
7 – Um processo concursal puro, em que uma pluralidades de partes processuais se encontra em determinada posição na lide (os credores), com uma contra-parte comum a todas elas (a massa insolvente, representada pelo respetivo administrador de insolvência ou Liquidatário Judicial), é campo fértil para aplicação do princípio da aquisição processual.
8 – Para aplicar o princípio da aquisição processual deve indagar-se se o facto invocado pode ser considerado genérico, se foi devidamente contraditado pela parte contra quem foi alegado, se foi objeto de devida instrução e se está a ser invocado pela parte que dele beneficia.
9 – A classificação dos instrumentos financeiros como complexos ou não complexos depende da obrigação subscrita por cada credor, pelo que só impugnação a impugnação, e relativamente a cada um dos instrumentos em causa, se poderá aferir da possibilidade de utilização dos factos apurados no âmbito de outras impugnações.
10 – Uma vez que a não prova de um facto não implica prova do contrário, por regra não há contradição entre um facto positivo e um facto negativo, dado que o segundo nada representa em termos factuais.
11 – A análise da impugnação da matéria de facto só deve ser efetuada relativamente aos factos que revestem relevância para a decisão do mérito da causa, ponderadas as várias soluções plausíveis de direito.
12 – As normas aplicáveis à atividade de intermediação financeira (centralmente o Código dos Valores Mobiliários, mas não só), são as normas vigentes à data da realização dos investimentos, atento o disposto no art. 12º do Código Civil.
13 – Os acórdãos de uniformização constituem um precedente qualificado, de carácter persuasivo, cujos argumentos merecem especial ponderação na apreciação e decisão de causas às quais tais argumentos possam ser aplicáveis.
14 – Embora uma transferência bancária não envolva mais que uma variação dos saldos das contas (da conta debitada e da conta creditada), insere-se numa teia jurídica, corporiza o meio de pagamento de uma obrigação, tem pressupostos, um dos quais a disponibilidade de fundos na conta origem, e concretiza-se num registo causal, que traduz uma operação real. Não se trata de uma operação abstrata que dê origem a um registo abstrato.
15 – A responsabilidade do intermediário financeiro insere-se, por regra, na responsabilidade obrigacional, dado que a relação de intermediação tem por base um negócio antecedente, designado como negócio de cobertura, que serve de base à subscrição ou transação de valores mobiliários, não havendo, porém, face à letra da lei que afastar a segmentação dos pressupostos de responsabilidade civil.
16 – Os intermediários financeiros são responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, presumindo-se a sua culpa, presunção esta que abrange o juízo de ilicitude quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais.
17 – Ao investidor, putativo lesado, incumbe a prova de que o intermediário financeiro incumpriu com o dever de informação que o onerava; por sua vez, ao intermediário financeiro incumbe o ónus de provar de que cumpriu com tal dever, de acordo com as regras legalmente previstas e com observância dos princípios ético-jurídicos aplicáveis.
18 – Não sendo possível concluir pela prova do nexo de causalidade entre a violação do dever de informação apurada e o resultado danoso sofrido pelos recorrentes – que, tanto quanto foi possível apurar, teve como causa a rutura financeira da sociedade emitente dos instrumentos financeiros, possivelmente causada por alterações à estrutura do grupo em que se inseria, mas cujo reflexo não era conhecido na data em que os investimentos foram realizados – não é possível concluir pela responsabilidade do intermediário financeiro.
19 – A forma escrita e a redução a escrito das ordens de execução de investimento orais não são formalidades ad substantium, não sendo, assim, aplicável o regime do nº1 do art. 364º do Código Civil.
20 – Não revestem igualmente carater ad probationem: a não sujeição a escrito da ordem por parte do intermediário não contende com a validade da ordem dada, não se lhe aplicando o nº1 do art. 393º do CC, sujeitando-se o intermediário às consequências sancionatórias constantes do art. 397.º, n.º 2, alínea e), do CVM.
21 – Na relação de intermediação financeira a intensidade dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente.
22 – A informação que, sendo prestada antes da tomada de decisão de subscrição, descreveu as caraterísticas do instrumento financeiro, transmitiu a informação disponível ao momento, não suscitou dúvidas no cliente, se adequou ao respetivo perfil de investidor – tratava-se de renovação de subscrições anteriores -, foi efetuada sem influência, ordem ou recomendação de colocação privilegiada, apesar de se tratar de um produto emitido por empresa do mesmo grupo que o intermediário, situação igualmente informada, e sem conteúdo ilícito, preenche os requisitos do art. 7º CVM.
23 – O intermediário financeiro, no âmbito de um contrato de transmissão e execução de ordem, não tem o dever de prestar todas as informações relativas a todos os riscos envolvidos, designadamente o risco de insolvência do emitente, que corre por conta do investidor, desde que imprevisível à data da subscrição.
24 – O respeito pelo procedimento previsto no artigo 317º-B nº5 do CVM, que regula o pedido de tratamento do cliente como investidor qualificado terá que ser preciso e integral, dada a função instrumental da norma em relação à proteção dos investidores – a não comunicação ao cliente, por escrito, do deferimento do seu pedido, implica que este não fica ciente da aplicabilidade, a partir desse momento, das consequências da alteração de estatuto, mesmo quando antecipadamente as tenha declarado conhecer.
25 – Os nºs 2 e 3 do art. 317º-B do CVM estabelecem, para a categorização do cliente como investidor qualificado, a necessidade de uma avaliação qualitativa por parte do intermediário e de uma avaliação quantitativa cuja responsabilidade recai, na maior parte dos casos, sobre o cliente, o único que domina a informação requerida.
26 – Uma vez deferido o estatuto de investidor qualificado, o cliente fica vinculado a deveres de informação em relação a qualquer alteração suscetível de afetar a qualificação atribuída e o intermediário financeiro fica sujeito a deveres de vigilância em relação ao ajustamento da qualificação feita, inexistindo qualquer previsão de periodicidade da revisão.
27 – A violação do dever de observar o procedimento para o tratamento como investidor qualificado, por si, não é suscetível de causar prejuízo. O que poderá eventualmente ser causador de prejuízo ao investidor nesta situação é se for tratado como investidor qualificado – quando dada a irregularidade, nunca deixou de ser um investidor não qualificado – e nessa medida não lhe seja, por exemplo, prestada informação proporcional ou avaliada a adequação dos seus investimentos.
28 – Os produtos financeiros são complexos se tiverem as caraterísticas previstas na lei para o efeito e não porque assim são designados, seja pelo intermediário, seja pelo emitente.
29 – Em matéria de conflitos de interesses, a modulação do dever de informação refletirá a intensidade da situação de conflito de interesses, se existir, ou da potencialidade do mesmo.
30 – O dever de lealdade apresenta uma dimensão positiva (atuação no melhor interesse do cliente) e uma dimensão negativa que se desenvolveu a partir de dois conceitos: o dever de evitar conflitos e a proibição de benefícios ilegítimos, que, como se denota do texto do nº3 do art. 309º, merece especial preocupação relativamente aos grupos de sociedades em que o intermediário esteja inserido.
31 – Em matéria de conflitos de interesses é irrelevante que o serviço esteja a ser prestado a um cliente qualificado, não qualificado ou contraparte elegível – a categorização é aqui indiferente, apenas relevando no cumprimento dos deveres de informação reflexos, não a categoria do cliente, mas sim o seu perfil, tendo o intermediário que garantir a compreensão dos riscos informados.
32 – O risco de conflito de interesses resultante do facto de o intermediário se inserir no mesmo grupo que o emitente varia também em função das concretas posições das sociedades em causa no grupo.
33 – Uma obrigação por prazo certo, com reembolso integral do capital na maturidade e taxa de juro fixa não é um produto financeiro complexo, dado que só depende do decurso do tempo e incorpora apenas os seus riscos próprios.
34 – As advertências previstas nos nºs 2 e 3 do art. 314º do CVM apenas são efetuadas caso não se tenha procedido à avaliação da adequação da operação ao perfil do cliente.
35 – O dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento.
36 – O dever de adequação previsto no art. 314º do CVM é um dever complexo que compreende, entre outros, o dever de conhecimento do cliente e o dever de conhecer os produtos aconselhados ou geridos e que visa a proteção do investidor também de si próprio; além de conhecer a vontade do investidor, o intermediário financeiro terá sempre que recolher mais informação objetiva sobre este.
37 – A diversificação é uma forma de atenuar ou eliminar certos tipos de risco que, em concreto, dependendo das caraterísticas dos investidores e dos ativos, pode estar compreendida na avaliação de adequação prevista no referido art. 314º do CVM.
38 – A avaliação da informação à data em que foi prestada é corolário da regra de que a responsabilidade do intermediário deve ser aferida com referência à data em que ocorreram os factos.
39 – A razão de ser da regra de proibição do conhecimento de questões novas em recurso prende-se com a função própria dos recursos, que não são aptos à discussão de questões que não o foram em 1ª instância. A limitação própria do recurso tornaria esse um exercício iníquo, nomeadamente para as partes, surpreendidas com matéria totalmente desconhecida e para a qual não se prepararam ou estão sequer cientes possa ser discutida.
40 – Num processo concursal, em que existe uma pluralidade de partes processuais (credores) colocadas numa determinada posição na lide, dificilmente se pode qualificar, em relação à contraparte comum a todas elas, a massa insolvente, representada pelo respetivo administrador ou Liquidatário, como questão nova uma questão que foi, efetivamente, discutida e apreciada pelo tribunal a quo, só que a propósito da pretensão de outro credor.
41 – A indagação a fazer é de se o facto invocado pode ser considerado genérico, se foi devidamente contraditado pela parte contra quem foi alegado, se foi objeto de devida instrução e se está a ser invocado pela parte que dele beneficia, ficando, porém, quem o invoca apenas em recurso, limitada pelos termos em que outros a alegaram e pela apreciação feita pelo tribunal a propósito da alegação de outros credores;
42 – A aferição da ilicitude da conduta do intermediário financeiro terá de se fazer tendo por referência a época em que a informação acerca do produto proposto ou solicitado foi ou deveria ter sido prestada.
43 – O dever de organização interna, previsto no art. 305º do CVM é uma das concretizações do princípio da atuação de boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, e que prevê que o intermediário financeiro deve manter a sua organização empresarial equipada com os meios humanos, materiais e técnicos necessários para prestar os seus serviços em condições adequadas de qualidade, profissionalismo e de eficiência.
44 – Outra das concretizações é o dever de execução nas melhores condições (best execution), previsto no art. 330º do CVM que assenta no desenvolvimento de esforços razoáveis, tratando-se de uma obrigação de meios e não necessariamente de resultado.
45 – Num contexto absolutamente invulgar, marcado por condicionantes sem paralelo, não é razoável exigir a uma instituição que aumente a sua estrutura organizativa para dar uma resposta atempada a um número muito elevado e concentrado de ordens cujo cumprimento envolve terceiros.
(Pelo Relator)
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