SEQUESTRO/ EXCLUSÃO DA ILICITUDE/ CONSENTIMENTO/ COSTUME/ ETNIA/ SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA/ REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO

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SEQUESTRO/ EXCLUSÃO DA ILICITUDE/ CONSENTIMENTO/ COSTUME/ ETNIA/ SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA/ REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO

4 de Junho, 2024 Natividade Almeida Comments Off

Processo:  
80/21.5JBLSB.L1-5    

Relator:  
ANA CLÁUDIA NOGUEIRA   

Descritores:  
SEQUESTRO   
EXCLUSÃO DA ILICITUDE   
CONSENTIMENTO   
COSTUME   
ETNIA   
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA   
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO   

Data do Acórdão:  
04-06-2024   

Votação:  
UNANIMIDADE   

Meio Processual:  
RECURSO PENAL   

Decisão:  
NÃO PROVIDO   

Sumário:  

(da responsabilidade da relatora):
I. Encontrando-se provado que o transporte da vítima a partir de local ermo até a um bairro habitacional foi feito «sem o seu consentimento», e que «[n]o percurso que dista cerca de 1,3Km com a duração de cerca de 2 minutos» continuou a ser agredida, sendo propósito dos arguidos e suas acompanhantes humilharem-na e exporem-na, desnudada, de cabelo rapado e com marcas de agressões, no referido Bairro, para onde a transportavam e pretendiam deixar, não vindo impugnada a matéria de facto provada, resulta afastada qualquer ponderação da possibilidade de presumir-se o seu consentimento para tal facto nos termos da previsão do art.º 39º do Código Penal.
II. As exigências de prevenção geral e especial implicadas no juízo de substituição da pena de prisão não podem considerar-se menores pelo facto de a conduta ilícita – agressão e exposição pública da mulher como adúltera – se inserir no costume cultural da comunidade ou etnia a que pertencem agressores e vítima.
III. Todos os cidadãos, independentemente das respetivas etnias e conceções culturais, estão sujeitos à mesma lei, vigente num Estado de Direito fundado na dignidade da pessoa humana e regido por valores, princípios e regras comunitariamente tidos consensualmente como fundamentais – arts. 1º e 2º da Constituição da República Portuguesa.
IV. Segundo os princípios da universalidade e da igualdade, consagrados nos arts. 12º e 13º da Constituição da República Portuguesa, todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição – art.º 12º/1 -, têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei – art.º 13º/1.
V. O Tribunal, enquanto poder público diretamente vinculado pelo princípio da igualdade, jamais poderia diferenciar positivamente um cidadão autor de um crime em razão da sua etnia e dos seus costumes.
VI. Considerar, como uma espécie de atenuante da gravidade da conduta adotada pelo arguido ou fator favorável na avaliação das exigências de prevenção geral e especial, o facto de pertencer a uma etnia que é menos tolerante ao relacionamento extraconjugal, leia-se, da mulher, constituiria do mesmo passo, conceder-lhe um benefício injustificado em razão da sua etnia, e prejudicar a ofendida precisamente em razão da pertença a essa mesma etnia, considerando nessa base menos grave a conduta agressora de que foi vítima.
VII. No juízo de ponderação da aplicação do regime de permanência na habitação previsto pelo art.º 43º do Código Penal está em causa definir o regime de cumprimento da pena de prisão aplicada, se intramuros no estabelecimento prisional, se em casa, para o que releva essencialmente perceber se, cumprida em RPH a pena de prisão aplicada realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, de defesa da sociedade (prevenção geral) e de prevenção da prática de crimes, com foco na reintegração social do recluso (prevenção especial).
VIII. As anteriores condenações do arguido, em número de onze, todas em penas não detentivas, uma delas por crime de coação agravada, da mesma natureza de um dos que mereceram condenação nestes autos – sequestro -, este, cometido menos de um ano depois de findo o período de suspensão da execução daqueloutra, fazem elevar em tal medida as exigências de prevenção especial e geral, que tornam incompatível o cumprimento no domicílio da pena de prisão aplicada, com as necessidades de proteção da comunidade e dos bens jurídicos, assim como as necessidades de reeducação do arguido para o direito.