REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO/ INJÚRIA AGRAVADA/ DIREITO À HONRA/ LIBERDADE DE EXPRESSÃO/ ADVOGADO

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REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO/ INJÚRIA AGRAVADA/ DIREITO À HONRA/ LIBERDADE DE EXPRESSÃO/ ADVOGADO

7 de Março, 2024 Natividade Almeida Comments Off

Processo: 
2301/21.5T9LSB.L1-9   

Relator:  
JORGE ROSAS DE CASTRO   

Descritores:  
REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO   
INJÚRIA AGRAVADA   
DIREITO À HONRA   
LIBERDADE DE EXPRESSÃO   
ADVOGADO   

Data do Acórdão:  
07-03-2024   

Votação:  
UNANIMIDADE   

Meio Processual:  
RECURSO PENAL   

Decisão:
PROVIDO

Sumário:  

(da responsabilidade do relator)
1. A rejeição da acusação, no contexto do despacho previsto pelo art.º 311º, nºs 1, 2, alínea a) e 3, alínea d) do Código de Processo Penal, apenas pode ter lugar se for inequívoco e incontroverso que os factos ali descritos não constituem crime.
2. Não é esse o caso quando da acusação pelo crime de injúria agravada, previsto pelos arts. 181º nº 1, 182º e 184º, com referência à alínea l) do nº 2 do art.º 132º, todos do Código Penal, consta (i) que a Arguida dirigiu ao ofendido as seguintes palavras: «És advogado, cada advogado, cada ladrão, os advogados são todos ladrões, vocês advogados são todos uns ladrões, até a minha advogada está farta de me roubar»; (ii) que tinha perfeita consciência de que o ofendido é advogado e que se encontrava no local no exercício das respetivas funções; (iii) que, ao utilizar tais expressões, cujo teor depreciativo não ignorava, quis ofendê-lo na sua honra e consideração devidas enquanto advogado, o que conseguiu; (iv) e que atuou de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
3. O direito à honra, tutelado pelas normas incriminadoras em causa, é um direito fundamental protegido desde logo pela nossa Constituição (CRP), no seu art.º 26º, nº 1, bem assim como pelo art.º 17º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e pelo art.º 8º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), neste caso enquanto dimensão da reserva da vida privada, aí se incluindo a reputação profissional.
4. O direito à honra não tem, é certo, um perfil absoluto, na medida em que há outros direitos, potencialmente com a mesma dignidade, com que tem que conviver e em face dos quais, em função das especificidades de cada caso, poderá ter em alguma medida que ceder, como é o caso da liberdade de expressão, protegida pelo art.º 37º da CRP, pelo art.º 19º do PIDCP e pelo art.º 10º da CEDH.
5. A liberdade de expressão é um dos fundamentos essenciais de qualquer sociedade democrática, marcada pelas ideias de pluralismo, tolerância e espírito de abertura, sendo particularmente alargada a sua proteção quando do que se trata é do desempenho de quem observa, acompanha e vigia a coisa pública ou participa em algum debate de interesse alargado.
6. O direito à honra e a liberdade de expressão, pelas suas próprias naturezas, têm uma especial vocação para se confrontarem na dinâmica geral da vida em sociedade, não podendo dizer-se logo em abstrato que um deles deva necessariamente ter prevalência sobre o outro.
7. As palavras que se imputa à Arguida ter dirigido ao ofendido não têm associado qualquer substrato de facto e não se integram em qualquer debate de posições atendível num ambiente plural e tolerante de ideias, mais não sendo que um puro juízo de valor desnecessariamente ofensivo, nessa medida não participando aparentemente da razão de ser da proteção especial de que a liberdade de expressão goza.
8. Não pode em suma dizer-se que seja inequívoco e incontroverso, logo em face do texto da acusação, que a Arguida, ao ter dito o que disse e naquele contexto, tenha atuado no exercício legítimo da liberdade de expressão.