VIOLAÇÃO DO SEGREDO DE JUSTIÇA/ DIREITO À INFORMAÇÃO/ COMPATIBILIZAÇÃO DE DIREITOS

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VIOLAÇÃO DO SEGREDO DE JUSTIÇA/ DIREITO À INFORMAÇÃO/ COMPATIBILIZAÇÃO DE DIREITOS

20 de Dezembro, 2023 Natividade Almeida Comments Off

Processo:   
2237/18.7T9LSB.L2-3     

Relator:   
MARIA MARGARIDA ALMEIDA   

Data do Acórdão:      
20-12-2023     

Descritores:     
VIOLAÇÃO DO SEGREDO DE JUSTIÇA  
DIREITO À INFORMAÇÃO  
COMPATIBILIZAÇÃO DE DIREITOS  

Votação:     
UNANIMIDADE   

Meio Processual:      
RECURSO PENAL 

Decisão:      
PROVIDO       

Sumário:     

I. Uma investigação compreende a realização de uma série de actos, destinados a alcançar a prova da verdade material, relativamente a um determinado incidente de vida. A divulgação pública de partes dessa investigação, cria fenómenos de percepção e de actuação cuja dimensão, em bom rigor e em grande medida, sempre se desconhecerão.
II. Não é humanamente possível poder afirmar-se, com qualquer mínima segurança jurídica, que um determinado acto ou informação não criou qualquer prejuízo para uma determinada investigação.
III. É possível fazer-se esse juízo pela positiva, isto é, determinar-se que, por virtude da informação pública de algo, alguém actuou sonegando, alterando, destruindo ou fugindo, pois o nexo causal poderá ser determinado, entre uma informação e uma acção. Já no que toca à omissão – nada foi prejudicado pela informação pública – tal afirmação mostra-se inalcançável, dada a enorme variedade de possibilidades que o conhecimento de uma determinada informação pode vir a suscitar, sem que a investigação das mesmas venha sequer a daquelas ter conhecimento.
IV. Os elementos constitutivos do tipo de crime de violação do segredo de justiça, são os seguintes:
– Que seja dado conhecimento,
– de modo ilegítimo,
– no todo ou em parte,
– de teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça;
– qualquer que seja a qualidade do agente ou o facto de ter tido ou não contacto com o processo.
– A actuação terá de revestir a forma de dolo.
V. Da enunciação supra resulta que estamos perante um crime de mera actividade, uma vez que a tipificação legal não exige a produção de um resultado típico danoso, pois em parte alguma do normativo se mostra imposta a referência à necessidade de que da conduta desenvolvida pelo agente, resulte a verificação de um prejuízo, de um dano para a investigação ou para qualquer interveniente processual.
VI. O argumentário expresso pelo tribunal “a quo”, no que concerne à primazia do direito à informação, afastando e sobrepondo-se ao segredo de justiça, não tem base que o suporte, precisamente porque tal direito estava acautelado, já que a informação relevante poderia ter sido dada, o público ficaria informado e não se poria em perigo o bom funcionamento da máquina da justiça.
VII. O segredo de justiça que vigorava nos autos, não era impeditivo do direito do público a ser informado, pois a utilidade social da notícia mantinha-se, tivessem-se os arguidos abstido de aditar conteúdos protegidos pelo dito segredo de justiça.
VIII. A inclusão de tais conteúdos, não se mostra necessária para que o público pudesse ter a percepção da gravidade dos factos em apreciação. Na verdade, não constassem tais conteúdos das ditas notícias, os fins de liberdade de expressão e de direito à informação mostrar-se-iam cumpridos, já que, por um lado, os arguidos poderiam expor a seriedade e gravidade dos casos em investigação e o público ficaria ciente dos contornos dos mesmos e, por outro, salvaguardava-se o bom funcionamento da justiça, numa fase processual ainda embrionária e frágil.
IX. Assim, neste caso, cremos que se mostram harmonizados os preceitos constitucionais em eventual rota de colisão, designadamente os relativos à liberdade de imprensa, liberdade de expressão, direito à informação e o segredo de justiça, como modo protector (também ele com assento constitucional), do bem jurídico de bom funcionamento da máquina judiciária nas fases embrionárias do processo penal.
(sumário elaborado pela relatora)