1. No âmbito dos desenhos ou modelos, o TJUE, em acórdão de 12 de setembro de 2019, Cofemel, C-683/17, consagrou a solução da cumulação parcial entre os regimes de direito industrial e direito de autor. 2. As situações em que o desenho pode beneficiar da proteção do direito de autor, ocorre, seguindo o referido acórdão do TJUE, quando o material de design deva ser qualificado de “obra” na aceção da Diretiva 2001/29 (Diretiva Infosoc). Nestas situações, o desenho beneficiará da tutela do direito de autor, independentemente da eventual tutela que possa merecer ao abrigo do regime dos desenhos ou modelos. 3. Constituindo o conceito de originalidade um conceito de natureza jurídica, em última instância, terá de ser o juiz a decidir se determinado material é ou não uma obra original. Obviamente que o gosto ou conceção pessoal de arte do julgador são aqui manifestamente impertinentes. 4. A receção de determinada obra pelo respetivo meio institucional constitui um forte indício de estarmos perante uma obra que deve ser protegida pelo direito de autor. Contudo, o problema subsiste quando inexiste tal receção. Tal receção institucional poderá, pois, ser prova suficiente em determinado caso concreto, mas não deve ser exigível em todos os casos. 5. O critério jurídico para determinar se certo material deve ser considerado uma obra original é o conceito de criação intelectual do próprio autor (CIPA), criação esta expressa num objeto identificável com suficiente precisão e objetividade. 6. Conduzindo-nos pela jurisprudência do TJUE, o conceito de CIPA é complexo e exige a verificação de 3 condições: (i) que o material seja o resultado de escolhas livres e criativas da pessoa (liberdade positiva); (ii) que as escolhas não sejam determinadas por constrangimentos técnicos ou por regras exteriormente impostas, nomeadamente por um terceiro (liberdade negativa ou autonomia); (iii) que o material reflita a sua personalidade. As duas primeiras condições referem-se à “criação intelectual” e a terceira, à parte do conceito “do próprio autor”. 7. No contexto onde o critério da criação intelectual do próprio autor, tal como desenvolvido na jurisprudência do Tribunal de Justiça, é aplicável a todas as categorias de obras, inclusive, a programas de computador e bases de dados, há que interpretar esta terceira condição de forma realista e pragmática. Assim sendo, cremos que bastará para que determinado material ou expressão possa ser considerado “do próprio autor”, que tenha sido ele(a) a fazê-lo e que não o tenha copiado. 8. A obra, enquanto coisa incorpórea, não se confunde, mesmo nos casos de exemplares únicos, com esta ou aquela expressão particular. Tal como a obra literária “livro” não se confunde com nenhum dos seus exemplares digitais ou impressos, a obra de “desenho” aqui em questão (desenho de candeeiro) também não se confunde com nenhum dos candeeiros seus exemplares. 9. Nem o cilindro, nem o cone nem as ripas, por si só, podem ser objeto de um direito exclusivo. A tal acresce que também não pode considerar-se monopolizável, o que já se tornou comum ou usual no domínio em questão. Protege-se, pois, a obra criativa, ou seja, a diferença e repetição dessa mesma diferença (reprodução). A intensidade da tutela da obra não varia, assim, em termos rigorosos, relativamente ao respetivo grau de originalidade, mas antes de acordo com os seus elementos originais (diferenciais). 10. Atentos os objetivos diversos prosseguidos pela propriedade industrial e o direito de autor, não se pode invocar a concorrência desleal com base na violação deste último. Por seu turno, a tutela pelo regime da concorrência desleal é subsidiária em relação à tutela conferida pelos direitos privativos. 11. O recurso à equidade em sede indemnizatória não visa colmatar deficiências probatórias imputáveis às partes, mas visa resolver dificuldades probatórias inerentes a determinadas situações concretas. O prejuízo moral que pode ser peticionado ao abrigo do regime do direito de autor, diz essencialmente respeito à afetação de direitos morais do criador. Não se tutela, no plano destes direitos morais, os direitos à imagem de uma empresa, como a Recorrente, e o apelo comercial dos seus produtos. Tal tutela ocorre em sede de danos emergentes, ou seja, danos patrimoniais.
DESENHOS OU MODELOS
Processo:
253/21.0YHLSB.L1-PICRS
Relator:
ALEXANDRE AU-YONG OLIVEIRA
Descritores:
DESENHOS OU MODELOS
Data do Acórdão:
05-02-2024
Votação:
UNANIMIDADE
Meio Processual:
APELAÇÃO
Decisão:
REVOGADO EM PARTE
Sumário:
1. No âmbito dos desenhos ou modelos, o TJUE, em acórdão de 12 de setembro de 2019, Cofemel, C-683/17, consagrou a solução da cumulação parcial entre os regimes de direito industrial e direito de autor.
2. As situações em que o desenho pode beneficiar da proteção do direito de autor, ocorre, seguindo o referido acórdão do TJUE, quando o material de design deva ser qualificado de “obra” na aceção da Diretiva 2001/29 (Diretiva Infosoc). Nestas situações, o desenho beneficiará da tutela do direito de autor, independentemente da eventual tutela que possa merecer ao abrigo do regime dos desenhos ou modelos.
3. Constituindo o conceito de originalidade um conceito de natureza jurídica, em última instância, terá de ser o juiz a decidir se determinado material é ou não uma obra original. Obviamente que o gosto ou conceção pessoal de arte do julgador são aqui manifestamente impertinentes.
4. A receção de determinada obra pelo respetivo meio institucional constitui um forte indício de estarmos perante uma obra que deve ser protegida pelo direito de autor. Contudo, o problema subsiste quando inexiste tal receção. Tal receção institucional poderá, pois, ser prova suficiente em determinado caso concreto, mas não deve ser exigível em todos os casos.
5. O critério jurídico para determinar se certo material deve ser considerado uma obra original é o conceito de criação intelectual do próprio autor (CIPA), criação esta expressa num objeto identificável com suficiente precisão e objetividade.
6. Conduzindo-nos pela jurisprudência do TJUE, o conceito de CIPA é complexo e exige a verificação de 3 condições: (i) que o material seja o resultado de escolhas livres e criativas da pessoa (liberdade positiva); (ii) que as escolhas não sejam determinadas por constrangimentos técnicos ou por regras exteriormente impostas, nomeadamente por um terceiro (liberdade negativa ou autonomia); (iii) que o material reflita a sua personalidade. As duas primeiras condições referem-se à “criação intelectual” e a terceira, à parte do conceito “do próprio autor”.
7. No contexto onde o critério da criação intelectual do próprio autor, tal como desenvolvido na jurisprudência do Tribunal de Justiça, é aplicável a todas as categorias de obras, inclusive, a programas de computador e bases de dados, há que interpretar esta terceira condição de forma realista e pragmática. Assim sendo, cremos que bastará para que determinado material ou expressão possa ser considerado “do próprio autor”, que tenha sido ele(a) a fazê-lo e que não o tenha copiado.
8. A obra, enquanto coisa incorpórea, não se confunde, mesmo nos casos de exemplares únicos, com esta ou aquela expressão particular. Tal como a obra literária “livro” não se confunde com nenhum dos seus exemplares digitais ou impressos, a obra de “desenho” aqui em questão (desenho de candeeiro) também não se confunde com nenhum dos candeeiros seus exemplares.
9. Nem o cilindro, nem o cone nem as ripas, por si só, podem ser objeto de um direito exclusivo. A tal acresce que também não pode considerar-se monopolizável, o que já se tornou comum ou usual no domínio em questão. Protege-se, pois, a obra criativa, ou seja, a diferença e repetição dessa mesma diferença (reprodução). A intensidade da tutela da obra não varia, assim, em termos rigorosos, relativamente ao respetivo grau de originalidade, mas antes de acordo com os seus elementos originais (diferenciais).
10. Atentos os objetivos diversos prosseguidos pela propriedade industrial e o direito de autor, não se pode invocar a concorrência desleal com base na violação deste último. Por seu turno, a tutela pelo regime da concorrência desleal é subsidiária em relação à tutela conferida pelos direitos privativos.
11. O recurso à equidade em sede indemnizatória não visa colmatar deficiências probatórias imputáveis às partes, mas visa resolver dificuldades probatórias inerentes a determinadas situações concretas.
O prejuízo moral que pode ser peticionado ao abrigo do regime do direito de autor, diz essencialmente respeito à afetação de direitos morais do criador. Não se tutela, no plano destes direitos morais, os direitos à imagem de uma empresa, como a Recorrente, e o apelo comercial dos seus produtos. Tal tutela ocorre em sede de danos emergentes, ou seja, danos patrimoniais.
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