Processo:
309/19.0YUSTR-J.L1-PICRS
Relator:
ARMANDO CORDEIRO
Descritores:
CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
UNIÃO EUROPEIA
Data do Acórdão:
13-03-2025
Votação:
UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Meio Processual:
RECURSO PENAL
Decisão:
IMPROCEDENTE
Sumário (elaborado pelo relator):
I. O regime de prescrição aplicável é o resultante da Lei 19/2012, na versão da Lei n.º 17/2022, de 17 de Agosto, mais concretamente, atenta a questão em causa, é aplicável o artigo 74.º, n.º 9, que estipula que inexiste limitação temporal para a suspensão decorrente da impugnação judicial da decisão da AdC, ou de recurso interlocutório, ou recurso para o Tribunal Constitucional.
II. A suspensão do prazo de prescrição pelo período máximo de 3 anos “em que a decisão da Autoridade da Concorrência for objeto de recurso judicial”, previsto na Lei da Concorrência (2012) – artigo 74.º, n.º 4, al. a) e n.º 7), que se entendeu aplicável, não pode considerar-se um prazo razoável.
III. As regras nacionais não podem tornar impossível ou excessivamente difícil a efetivação de um direito decorrente da ordem jurídica europeia.
IV. Apenas a aplicação imediata do novo prazo de suspensão do prazo de prescrição aos prazos ainda em curso, decorrentes de uma causa de suspensão já preexistente e já verificada, afasta o existente “risco sistémico de impunidade dos factos constitutivos” das infrações ao direito da concorrência.
V. O artigo 9.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2022, de 17 de agosto (que aprovou o Novo Regime Jurídico da Concorrência), que estipula que “as disposições da presente lei aplicam-se aos procedimentos desencadeados após a respetiva entrada em vigor” deve ser afastado se interpretado no sentido de englobar a previsão do n. 9 do artigo 74.º. Este entendimento é o único compatível com o Direito da União, sendo obrigação deste tribunal interpretar o direito nacional em conformidade com aquele Direito e a afastar disposições nacionais incompatíveis com o mesmo.
VI. O Legislador nacional, ao condicionar a aplicação das disposições resultantes da transposição da Diretiva ECN+ através do aludido artigo 9.º, n.º 1, fê-lo de forma errónea e atentatória do Direito da União, o que legítima a desaplicação daquele mesmo normativo, pelo menos no que concerne ao respetivo artigo 74.º, n.º 9.
VII. O princípio da legalidade não se opõe, no caso, à aplicação da lei nova e consequente alteração do prazo de suspensão da prescrição.
VIII. Enquanto a norma do domínio penal refere “disposições penais vigentes” e “o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente”, em sede contraordenacional tal terminologia não foi replicada. Em vez de tais expressões o Legislador usou, no artigo 3.º, n.º 2, do RGCO, “lei vigente” e “lei mais favorável”, o que aponta para um sentido mais restrito, em especial, que os conceitos de “disposições penais” e “regime mais favorável”. Por sua vez, o n.º 1, do artigo 3.º em referência refere expressamente “A punição da contraordenação é determinada pela lei vigente…”, restringindo o escopo daquele preceito legal, à norma incriminadora (o tipo contraordenacional) e respetiva sanção.
IX. Os factos constantes do processo não demonstram, nem se mostra alegado, a violação de outros princípios constitucionais, designadamente o princípio da tutela da confiança ou do direito à decisão em prazo razoável.
X. A norma que resulta da aplicação conjugada do artigo 9.º da Lei n.º 17/2022, de 17 de agosto, e do artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2, do RGCO, na interpretação segundo a qual a redação do n.º 9 do artigo 74.º da LdC, introduzida por aquela Lei, não é aplicável a factos praticados em data anterior à sua entrada em vigor e em relação aos quais, nesta data, ainda não se tenha verificado o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, é inconstitucional, por violação dos princípios do primado do Direito da União Europeia (a “exigência existencial”, nas palavras de Pierre Pescatore), consagrado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição, e do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.
XI. O recurso interposto sobre o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-05-2023, foi rejeitado por se mostrar ultrapassado o respetivo prazo de recurso, pelo que é irrelevante para efeitos do trânsito em julgado daquele acórdão.
XII. No caso, a prescrição do procedimento contraordenacional não ocorreu e o trânsito em julgado da decisão condenatória ocorreu a 23-05-2024.