Processo:  
823/18.4T8VFX-B.L2-1   

Relator:  
ISABEL MARIA BRÁS FONSECA   

Descritores:  
PARTILHA   
DIREITO DE USO   
EFEITO ÚTIL NORMAL   
LEGITIMIDADE PASSIVA   
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO   
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE   
SONEGAÇÃO DE BENS   

Data do Acórdão:  
27-05-2025   

Votação:  
UNANIMIDADE   

Meio Processual:  
APELAÇÃO   

Decisão:  
IMPROCEDENTE   

Sumário [Da responsabilidade do relator (art.º 663.º, n.º 7 do CPC)]: 

1. A legitimidade das partes enquanto pressuposto processual afere-se pelo disposto no art.º 30.º do CPC e envolvendo a relação jurídica vários titulares, releva o que dispõe o art.º 33.º do CPC, em sede de litisconsórcio necessário, que se verifica (i) quando a lei ou o negócio o impuserem ou (ii) quando pela própria natureza da relação jurídica a intervenção de todos os interessados seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (litisconsórcio legal, convencional e natural) – n.ºs 2 e 3 do referido artigo.
2. Em princípio, a pretensão de resolução de um contrato bilateral ou sinalagmático, com os efeitos previstos no art.º 433.º do Cód. Civil, estando em causa apreciar do mesmo facto jurídico (contrato) e de circunstâncias comuns a todos os contraentes, implica que estejam na lide todos os intervenientes no negócio.
3. Nos casos em que a resolução do contrato é formulada no âmbito de um processo de insolvência, pelo administrador da insolvência (resolução em benefício da massa insolvente), tendo por referência um contrato de  partilha outorgada pela devedora/insolvente e as duas filhas em 03-10-2017, tendo a insolvência sido decretada por sentença proferida em 20-03-2018, a particularidade reside, em primeira linha, na circunstância da declaração de insolvência fazer operar a transferência dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que passam a competir ao administrador da insolvência (art.º 81.º, n.º 1 do CIRE), passando ainda o AI a assumir “a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência” (art.º 81.º, n.º 4 do CIRE); e, ainda, ao nível dos fundamentos da resolução, tendo em conta o disposto no art.º 432.º do Cód. Civil, por confronto com o regime do CIRE (arts. 120.º e 121.º): ao contrário do que acontece com a resolução em geral, no âmbito da insolvência o fundamento da resolução é a defesa da massa contra a depreciação e as práticas que lhe prejudiquem o valor.
4. O administrador da insolvência que promove a resolução em benefício da massa insolvente do aludido contrato de partilha atua em benefício dos credores e perspetivando o interesse destes; sendo esse ato dirigido contra os outros intervenientes no contrato de partilha – as filhas da devedora/insolvente – estão no processo todas as entidades que a lei exige para que a decisão produza o seu efeito útil normal pelo que o administrador da insolvência pode/deve dirigir a declaração resolutória apenas à(s) contraparte(s) no negócio, não sendo de exigir que o faça relativamente ao próprio devedor/insolvente, como propugnam as apelantes.
5. O apelante que impugna o julgamento de facto feito pelo tribunal de 1.ª instância deve proceder (i) à individualização/descrição dos factos que entende incorretamente julgados, (ii) à indicação dos meios de prova produzidos e que são pertinentes a essa análise, ou seja, as razões da discordância relativamente à avaliação do tribunal, (iii) indicando ainda com precisão a decisão que pretende seja proferida, nos vários sentidos possíveis (aditamento/eliminação/alteração de texto) (art.º 640.º do CPC).
6. Preenchida a tipologia dos atos previstos em qualquer das alíneas do número 1 do art.º 121.º do CIRE (“[r]esolução incondicional), esses atos são resolúveis, “sem dependência de quaisquer outros requisitos”, por se presumirem prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário (presunção juris et de jure), não sendo necessária a má-fé do terceiro (art.º 120.º, n.ºs 2 e 4 do CIRE).
7. O requisito de índole objetiva previsto no art.º 121.º, n.º 1, alínea a) do CIRE remete-nos para o conteúdo do contrato de partilha, mais precisamente, para os termos em que foi convencionado o preenchimento do quinhão da insolvente, na economia e equilíbrio do contrato, assim se obstando a que o quinhão hereditário do devedor/insolvente seja preenchido, “essencialmente”, com bens cuja existência possa com facilidade ser ocultada (cfr. o art.º 2096.º do Cód. Civil) e/ou que sejam de fácil dissipação, como acontece com a generalidade dos bens móveis (arts. 204.º e 205.º, do Cód. Civil), justificando-se uma apreciação casuística, que tenha em conta, nomeadamente, as caraterísticas dos bens adjudicados ao insolvente
8. Carateriza o direito de uso e habitação, a circunstância de se tratar de direito estabelecido em função das necessidades do seu titular e respetiva família, o que explica a proibição a que alude o art.º 1488.º do Cód. Civil, que veda ao seu titular a faculdade de trespassar, locar ou de qualquer forma onerar o seu direito, ao contrário do que acontece com o direito de usufruto (art.º 1444.º do mesmo diploma).
9. Por força do contrato de partilha celebrado entre a devedora e as suas filhas, nos termos em que o foi – o quinhão da insolvente foi preenchido com a atribuição do direito de habitação do único bem da herança, o imóvel em que reside, cuja nua propriedade foi atribuída aos demais herdeiros e por tornas, sendo que,  ao contrário do que foi declarado na escritura, não foram pagas à devedora quaisquer quantias em dinheiro a esse título –, aquela ficou despojada de qualquer bem ou património suscetível de ser apreendido e vendido no processo de insolvência, pelo que a situação em apreço deve ser integrada na hipótese prevista na alínea a) do número 1 do art.º 121.º.